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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Um balanço da década de 2000 - Edifícios Institucionais

Cepema, Cubatão, SP, Carlos Bratke
Cepema, Cubatão, SP, Carlos Bratke
 
Edifícios evidenciam atuação das instituições públicas
 
No começo da década de 2000, a internet e a telefonia celular estavam se consolidando e marcando o início de uma era de profundas transformações nas comunicações e nas relações pessoais. Na região de Itaquera, na zona leste da capital paulista, a grande revolução daqueles primeiros anos do século estava na presença do Estado, que chegava à periferia carente inaugurando uma estação do metrô e uma unidade do Poupatempo (posto de atendimento ao cidadão que oferece acesso a variados serviços públicos e emissão de documentos).

Com projeto de Paulo Mendes da Rocha e MMBB Arquitetos, o Poupatempo Itaquera foi o primeiro de São Paulo a ser planejado e construído especificamente para essa função. Ele foi implantado junto ao então novo terminal intermodal Corinthians-Itaquera, que na época estava no centro de um vazio urbano com até um quilômetro de extensão em certos trechos.

Dez anos depois, esses equipamentos continuam sendo a expressão maior do poder público na região, porém com uma vizinhança mais adensada, que inclui shopping center, unidades da Fatec em construção e a área onde deve ser implantado o estádio do Corinthians.

O modelo do Poupatempo nasceu na Bahia, em 1995, e dois anos depois foi adotado em São Paulo, onde hoje tem 19 postos fixos e unidades móveis. Ele também se difundiu por outros estados e no final da década chegou ao Mato Grosso do Sul. Na capital Campo Grande, a Central de Atendimento ao Cidadão foi projetada por Gil Carlos de Camillo, que desenhou um prédio que parece brotar do solo e cujas fachadas de volumetrias distintas dissimulam a existência de cinco pavimentos.

Camillo também é o autor de outro ícone arquitetônico do Centro-Oeste, o Fórum Eleitoral de Campo Grande, que busca materializar nas grandes superfícies envidraçadas a transparência inerente aos processos eleitorais. Em Pernambuco, um dos melhores projetos da década é o Fórum do Recife, de Paulo Raposo e Andréa Câmara.

Vencedores de um concurso do IAB/PE, os arquitetos desenharam um monólito austero que combina valores clássicos e contemporâneos em uma composição assinalada externamente pela colunata de modulação rígida e pelo pátio interno que remete a um fórum romano. A austeridade também é a marca do projeto de Decio Tozzi e Karla Albuquerque para o projeto impecável do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, em São Paulo, cujo desenho reflete o pensamento arquitetônico da escola paulista.

Monumental e vigoroso, o conjunto de duas torres soma 87 mil metros quadrados e é um exemplar significativo da arquitetura brasileira contemporânea, mas na época de sua inauguração foi ofuscado pelo histórico de corrupção por trás de sua construção.
A premissa do projeto de traduzir o ideal de justiça para todos de certa forma se concretizou com a condenação de envolvidos no escândalo do desvio de 170 milhões de reais das obras. Também emblemático foi o intervalo de 12 anos entre o início das obras e sua inauguração, bem representando a morosidade que emperra o funcionamento do sistema judiciário brasileiro.

Já o complexo forense de Cuiabá, projetado por Marcelo Suzuki, foi concebido e construído em pouco mais de um ano com a finalidade de reunir as repartições vinculadas ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso, antes dispersas em locações distintas. Horizontal e apoiado sobre pilotis, o edifício foi identificado desde sua inauguração como um dos melhores representantes da arquitetura brasileira da primeira década do século 21.

A combinação entre o tabuado de pinus que veda os corredores e a cobertura atirantada high tech é uma de suas características marcantes e representa a alta tecnologia dos trópicos. Soluções como circulações distintas para funcionários, público externo e presos, aproveitamento da luz e da ventilação naturais e limitação do uso de ar condicionado somente aos ambientes que permanecem fechados em razão de sigilo valorizam o conjunto pela eficiência e pelo bom desempenho.

A proposta de José Luiz Tabith, Carlos Eduardo Bianchini, Fausto Torneri e Irineu Idoeta para o Paço Municipal de Suzano aparece como destaque entre as obras públicas municipais da década. A cidade da Grande São Paulo tinha um projeto mais ambicioso que refletia a convicção do uso do espaço público como estratégia para o redesenho urbano e, em vez de um palácio, deu lugar a um conjunto permeável como uma praça, com um vazio que transcorre a edificação no sentido longitudinal e dá continuidade às áreas frontais.

Inicialmente, eram previstos também praça cívica, Câmara de Vereadores, teatro, teatro de arena e casa de cultura. O projeto chegou a ser premiado pelo IAB/SP em 1987, mas no mesmo ano as obras foram interrompidas quando da conclusão da estrutura, e retomadas somente em 1998, com alterações que tornaram o conjunto mais modesto, mas não menos vigoroso. O volume da Câmara Municipal foi redesenhado por Tabith e Bianchini em função de sua nova localização, no espaço antes reservado à casa de cultura.

Também nascido com a missão de qualificar o espaço urbano, o projeto de Paulo Zimbres, Marcos Zimbres e Joara Cronemberger para o edifício administrativo da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal é mais um exemplo da boa arquitetura no Centro-Oeste do país.

Situado em Águas Claras, cidade-satélite de Brasília também projetada por Zimbres na década de 1990 e que vem crescendo em ritmo bastante acelerado, ele é composto por seis blocos retangulares de dois pavimentos e um edifício cilíndrico com três pisos. Organizado de forma semelhante a um campus universitário, o conjunto apresenta volumetria rica, bem articulada por meio de ruas e praças internas.

Para a Petrobrás, empresa de capital aberto, Carlos Bratke desenhou o Centro de Capacitação e Pesquisa do Meio Ambiente, mais conhecido pela sigla Cepema. Localizado em Cubatão, cidade do litoral sul paulista, o Cepema é um conjunto emblemático, marcado pela diversidade de formas arrojadas e pela extravagância plástica, o que lhe garantiu o Prêmio Asbea de 2006 na categoria edifícios institucionais.

A escolha de Cubatão para a implantação do Cepema não foi ao acaso. Na década de 1980, a cidade foi considerada pela ONU como a mais poluída do mundo e sofreu graves consequências ambientais devido à pesada emissão de poluentes, boa parte proveniente da refinaria de petróleo. Construído pela Petrobrás a título de compensação pelos danos causados, o centro é administrado pela Universidade São Paulo e realiza pesquisas multidisciplinares sobre os efeitos dessas atividades no ambiente, além de oferecer soluções para que elas tenham continuidade mas com menos riscos.

Três importantes edifícios foram inaugurados em Brasília na década passada: a Assembleia Legislativa, do escritório Projeto Paulista; a Fundação Habitacional do Exército, de Danilo Matoso, Élcio Gomes, Fabiano Sobreira, Newton Godoy, Filipe Montserrat e Daniel Lacerda; e a sede do Sebrae, das equipes de Álvaro Puntoni e Luciano Margotto Soares. Os três foram escolhidos por concurso, a Assembleia e o Sebrae em disputas abertas. O fato evidencia que esse tipo de disputa continua a ser a melhor maneira de escolher um projeto público - comprovando a tese, o edifício do Sebrae foi escolhido o mais significativo do período na categoria institucional.

Poupatempo Itaquera, São Paulo, Paulo Mendes da Rocha e MMBB Arquitetos
Poupatempo Itaquera, São Paulo, Paulo Mendes da Rocha e MMBB Arquitetos
 
Fórum Eleitoral, Campo Grande, Gil Carlos de Camillo
Fórum Eleitoral, Campo Grande, Gil Carlos de Camillo
 
Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, São Paulo, Decio Tozzi e Karla Albuquerque
Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, São Paulo, Decio Tozzi e Karla Albuquerque
 
Central de Atendimento ao Cidadão, Campo Grande, Gil Carlos de Camillo
Central de Atendimento ao Cidadão, Campo Grande, Gil Carlos de Camillo
 
Fórum, Recife, Paulo Raposo e Andréa Câmara
Fórum, Recife, Paulo Raposo e Andréa Câmara
 
Complexo forense, Cuiabá, Marcelo Suzuki
Complexo forense, Cuiabá, Marcelo Suzuki
 
Companhia de Saneamento Ambiental, Águas Claras, DF, Paulo Zimbres, Marcos Zimbres e Joara Cronemberger
Companhia de Saneamento Ambiental, Águas Claras, DF, Paulo Zimbres, Marcos Zimbres e Joara Cronemberger
 
Paço Municipal, Suzano, SP, José Luiz Tabith, Carlos Eduardo Bianchini, Fausto Torneri e Irineu Idoeta
Paço Municipal, Suzano, SP, José Luiz Tabith, Carlos Eduardo Bianchini, Fausto Torneri e Irineu Idoeta
 
Fundação Habitacional do Exército, Brasília, Danilo Matoso, Élcio Gomes, Fabiano Sobreira, Newton Godoy, Filipe Montserrat e Daniel Lacerda
Fundação Habitacional do Exército, Brasília, Danilo Matoso, Élcio Gomes, Fabiano Sobreira, Newton Godoy, Filipe Montserrat e Daniel Lacerda
 
Assembleia Legislativa, Brasília, Projeto Paulista
Assembleia Legislativa, Brasília, Projeto Paulista
 
 
Vigorosa exceção
Edifício-sede do Sebrae (2008/10) Álvaro Puntoni, Luciano Margotto Soares, João Sodré e Jonathan Davies
Por André Aranha Corrêa do Lago
A boa arquitetura brasileira deve em grande parte a projetos institucionais o seu desenvolvimento, prestígio e aceitação pelo público. O Ministério da Educação e Saúde, no Rio, iniciou esse processo, que, graças a Brasília, prolongou-se com fôlego até o final dos anos 1960, estabelecendo, nos níveis federal, estadual e municipal, um padrão tão elevado que permitiu ao Brasil ser comparado em qualidade arquitetônica a qualquer outro país do mundo. Infelizmente, por diversos motivos - entre os quais uma legislação que não favorece a boa arquitetura -, os edifícios institucionais se tornaram cada vez mais previsíveis (na melhor das hipóteses), cada vez menos interessantes ou, ainda, símbolos de gastos inadequados.

A
sede do Sebrae em Brasília é certamente a melhor demonstração, nos últimos dez anos, de que o processo de decadência dos edifícios institucionais não é necessário, que, ao contrário, é possível fazer novamente, nessa categoria, não só edificações boas (como houve, de fato, várias na última década), mas também obras excepcionais. Sua primeira qualidade é ter sido objeto de um concurso e - mais ainda - o fato de o projeto de Álvaro Puntoni, Luciano Margotto Soares e equipe ter sido o vencedor (parabéns ao júri!).

Do ponto de vista arquitetônico, o edifício tem diversos elementos que o inserem na evolução da
arquitetura brutalista paulista, mas vai além. É notável a riqueza de idéias que contém, permitindo que concreto e aço disputem o protagonismo, ou ainda contrastando o lado escultural de uma fachada curva de concreto com a leveza estrutural dos grandes vãos suspensos. O acabamento do concreto, entretanto, poderia ter sido melhor.
O projeto, além de levar em consideração os interesses e objetivos da entidade que o encomendou (e de seus funcionários), respeita o público que o vê de fora e, principalmente, os visitantes eventuais, pela variedade de fachadas, jardins e espelhos d’água. A esses elementos tradicionais do modernismo brasileiro adicionam-se outros mais raros, como o monumental pátio interno e a riqueza das opções de circulação que oferecem vistas variadas do pátio e da vegetação ao redor. O edifício também vai muito além de respeitar o entorno (quem conhece Brasília sabe da tristeza das construções na avenida L2): eleva o padrão da via onde se encontra.

O padrão tecnológico, a consistência das soluções, o esforço na busca de efeitos surpreendentes, mas nunca superficiais, e a atenção a diversos
aspectos de sustentabilidade (ambiental, social e econômica) mostram nesse projeto a maturidade dos arquitetos na busca de uma arquitetura fiel à tradição brasileira, mas sem temor de enriquecê-la com elementos contemporâneos. Trata-se de obra que enriqueceria qualquer publicação internacional e que mostra uma vigorosa renovação da nossa arquitetura.

Infelizmente, uma exceção
.

Publicada originalmente em PROJETODESIGN

 
 
 
 
 
 

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