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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Um balanço da década de 2000 - Hospitais

Hospital Municipal Cidade Tiradentes, São Paulo, Borelli & Merigo Arquitetura e Urbanismo e Walter Makhohl
Hospital Municipal Cidade Tiradentes, São Paulo, Borelli & Merigo Arquitetura e Urbanismo e Walter Makhohl
 
 
Empreendimentos privados ditam a implantação de novas unidades
 
Em abril de 2010, o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) da Secretaria de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde, contabilizava a existência no país de 6.750 hospitais: 1.971 eram públicos (federais, estaduais e municipais), 4.612 tinham controle privado e 167 funcionavam como hospitais universitários. Dos hospitais privados, 2,9 mil atendiam ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Mesmo que no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a assistência pública à saúde tenha melhorado, são os empreendimentos particulares que têm ditado a implantação de novas unidades. A aquisição, pelo banco BTG Pactual, da rede D’Or, no Rio de Janeiro, que em seguida assumiu o controle do Hospital São Luiz, em São Paulo, é um indicativo de para quem os escritórios de arquitetura poderão trabalhar nos próximos anos nessa especialidade (tal como na unidade Anália Franco do Hospital São Luiz, desenhada por Siegbert Zanettini).

A presença de fundos de investimentos e instituições financeiras no controle de grupos hospitalares é relativamente recente na economia brasileira. 

O segmento de seguros do Bradesco, por exemplo, nem cogitava adquirir parte do Fleury Medicina e Saúde (o que ocorreu no primeiro semestre de 2009) quando o laboratório implantou, no Jabaquara, zona sul paulistana, sua nova sede.

A horizontalidade desejada do ponto de vista operacional foi um dos maiores desafios dos arquitetos Eduardo Martins de Mello, Renata Semin e José Armênio Brito Cruz (os dois últimos do escritório Piratininga Arquitetos), uma vez que o lote apresentava razoável declividade.

O mesmo laboratório contrataria Rocco Associados para desenhar sua unidade no Itaim Bibi, também na zona sul, um conjunto formado por dois blocos de aparência monolítica, visualmente caracterizados pelo fechamento em vidro translúcido branco, complementado por brises de alumínio no padrão madeira. 

O prédio reafirma a preocupação que o Fleury tem com a qualidade dos espaços - também a unidade Paraíso foi desenhada por profissional de alto gabarito, Paulo Mendes da Rocha, embora o projeto se encontre descaracterizado.

Na década recém-terminada, o Hospital Israelita Albert Einstein manteve sua tradição de combinar excelência no atendimento com arquitetura qualificada. No Pavilhão Vick e Joseph Safra, o escritório Levisky Arquitetos Associados elaborou o plano diretor urbanístico e o estudo de viabilidade para que o escritório Kahn do Brasil implantasse o conjunto.

Pela primeira vez, o hospital apostou na volumetria menos contida e na paleta de cores mais diversificada. O desenho que estampa parte do edifício foi retomado na unidade no bairro de Perdizes, cuja autoria é também compartilhada por Levisky Arquitetos e Kahn do Brasil. O primeiro Einstein fora do Morumbi possui volumetria assimétrica e busca interlocução com o entorno.

O perfil socioeconômico dos pacientes do Fleury e do Einstein não diverge muito daqueles que procuram atendimento no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, também em São Paulo. A secular instituição adquiriu, em 1905, o lote onde está instalada, próximo da avenida Paulista.
Noventa anos depois, Botti Rubin Arquitetos desenhou para o terreno um prédio com 18 pavimentos, de linhas contemporâneas. O centro para idosos Hiléa, com áreas de lazer, hotelaria e atendimento à saúde, também é um dos bons projetos da década. Desenhado pelo escritório Aflalo & Gasperini, em São Paulo, possui forma de lâmina e tem áreas de convivência na base.

O aumento da população de idosos fez parecer que o empreendimento era viável, mas ele não foi adiante e acabou adquirido pelo governo do estado, para receber a primeira unidade da Rede de Reabilitação Lucy Montoro. Esta atende pacientes com dificuldades motoras e é administrada pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

É um trabalho similar ao realizado pela Rede Sarah, que trouxe enorme notoriedade a um dos mais admirados arquitetos brasileiros da atualidade: João Filgueiras Lima, o Lelé. A experiência de Lelé com a arquitetura do setor consumou-se no Rio de Janeiro, em Jacarepaguá, com o Centro de Reabilitação Infantil e o hospital Sarah, elegante conjunto de 52 mil metros quadrados de área construída que contrastam com o descampado do entorno.

Situação oposta (vizinhança densa e paisagem natural desprovida de interesse) foi enfrentada pelos arquitetos José Borelli Neto, Hércules Merigo (Borelli & Merigo Arquitetura e Urbanismo) e Walter Makhohl para implantarem o Hospital Municipal Cidade Tiradentes, no extremo da zona leste paulistana. A forma é a do tradicional pavilhão - a parte superior das fachadas é caracterizada pelos elementos vazados e na inferior o desenho é de inspiração concretista.

Hospital Israelita Albert Einstein/Pavilhão Vick e Joseph Safra, São Paulo, Levisky Arquitetos e Kahn do Brasil
Hospital Israelita Albert Einstein/Pavilhão Vick e Joseph Safra, São Paulo, Levisky Arquitetos e Kahn do Brasil
 
Laboratório Fleury, São Paulo, Rocco Associados
Laboratório Fleury, São Paulo, Rocco Associados
 
Hospital Israelita Albert Einstein/Unidade Perdizes, São Paulo, Levisky Arquitetos Associados e Kahn do Brasil
Hospital Israelita Albert Einstein/Unidade Perdizes, São Paulo, Levisky Arquitetos Associados e Kahn do Brasil
 
Laboratório Fleury, São Paulo, Eduardo Martins de Mello e Piratininga Arquitetos
Laboratório Fleury, São Paulo, Eduardo Martins de Mello e Piratininga Arquitetos
 
Centro de idosos Hiléa, São Paulo, Aflalo & Gasperini Arquitetos
Centro de idosos Hiléa, São Paulo, Aflalo & Gasperini Arquitetos
 
Hospital Alemão Oswaldo Cruz, São Paulo, Botti Rubin Arquitetos Associados
Hospital Alemão Oswaldo Cruz, São Paulo, Botti Rubin Arquitetos Associados
 
 
Com técnica e poesia
Hospital da Rede Sarah (2001/02) - João Filgueiras Lima
Por Fernando Diniz Moreira
O extenso edifício de volumes brancos curvos e contínuos, repousando suavemente sobre o descampado ao redor da lagoa de Jacarepaguá, representa a síntese que Lelé procurou em toda a sua vida profissional: a busca por uma arquitetura baseada na técnica e na industrialização, que respondesse às necessidades de um país em construção, mas que ao mesmo tempo tivesse formas livres e fluidas, tão caras à arquitetura moderna brasileira. 
 
A obra de Lelé invalida a ideia de que uma arquitetura pensada de acordo com princípios da industrialização é inferior ou dissociada daquela concebida “artisticamente”. Lelé tem uma concepção mais abrangente da funcionalidade, que inclui também o bem-estar das pessoas.
 
O infortúnio de um acidente o fez experimentar a desumanidade e a frieza de um hospital e o levou a defender a criação de ambientes que façam o paciente se sentir bem e, assim, ajudem no processo de cura

Nesse hospital, como nos outros da Rede Sarah, a humanização dos espaços é feita por meio de três dimensões.

A primeira é a utilização da ventilação e iluminação naturais como forma de fugir dos espaços herméticos e de contribuir no combate à infecção hospitalar. Para evitar a incidência direta do sol, Lelé propôs o uso de sheds, cujas formas marcantes respondem a requisitos aerodinâmicos que facilitam a circulação dos ventos e ao mesmo tempo atestam sua experiência com Niemeyer.

A segunda é a introdução de amplos espaços coletivos nos quais a presença de jardins e obras de arte é uma constante. As cores e padrões dos painéis de Athos Bulcão, pensados de forma integrada ao ambiente e próximos das fontes de luz e dos jardins, enaltecem e valorizam o paciente e dão vida ao local.

A terceira reside na dimensão tectônica, na forma como ele articula os elementos construtivos. O edifício segue princípios de flexibilidade e padronização dos elementos construtivos, visando rapidez na execução. A repetição desses poucos elementos configura todo o prédio, desde a estrutura até caixilhos e guardacorpos (como é didaticamente mostrado em um vídeo que fez parte da exposição no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, há alguns meses).

A forma como eles são articulados é o que confere significado ao edifício. Neste hospital, a arquitetura emociona não apenas pela integração com a natureza e com a arte, mas sobretudo pela inventividade no manejo de elementos padronizados. Lelé tira partido de aparentes restrições para criar uma arquitetura de pura poesia.

Publicada originalmente em PROJETODESIGN

 
 
 
 
 

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